sábado, 20 de outubro de 2007

Se os executivos pensassem como designers...

Primeiro os designers da Ideo sugeriram que os gestores pensassem como eles. Agora a mesma proposta vem do mundo da gestão, estruturada por Jeanne Liedtka, executiva e professora da University of Virginia

Há tempos se conhecem os problemas das abordagens de planejamento tradicionais, como a tentativa de criar uma “ciência” (e a conseqüente perda de criatividade); a ênfase excessiva nos números; a priorização da eficiência em detrimento do conteúdo; e a predominância de técnicas isoladas, aplicadas de maneira incorreta. Os estrategistas empresariais continuam a propor alternativas aos processos tradicionais, mas é do universo dos designers que chega a abordagem mais diferenciada e promissora. Estes sugerem processos com maior participação e diálogo, mais foco no tema do que no cronograma e disposição para aproveitar as lições dos conflitos em vez de evitá-los –ingredientes genuinamente dirigidos para a criação e o aprendizado e não para o controle. Tudo isso parece muito bom, mas é preciso perguntar se não é bom demais para ser verdade. Qual seria o impacto se a fórmula dos designers realmente fosse adotada pelos executivos? Depois de avaliar o modo de trabalho de vários arquitetos e designers na última década, apontamos as descobertas que serão feitas por quem realmente levar a metáfora dos executivos-designers a sério:


Estratégia tem que ver com criação

Em suas discussões sobre o que é arte e o que é ciência no gerenciamento, e na busca analítica da estratégia “certa”, os estudiosos em geral dão mais ênfase à ciência. Levar a sério a metáfora exige identificar a diferença entre a produção dos cientistas e a dos designers. Enquanto os primeiros pesquisam para procurar explicações para o que já está aí, os últimos tentam criar o que não existe. A estratégia é um assunto que provoca discussões porque desejamos um futuro diferente, mas esses “futuros” raramente nascem de processos meramente analíticos; nas palavras de Walt Disney, tais cenários “surgem primeiro na imaginação”. Não se trata de negar a importância da análise, mas de subordiná-la ao processo criativo. Um exemplo da tensão entre os dois elementos é a Sydney Opera House, que rendeu a seu criador, Jørn Utzon, o prêmio Pritzker de arquitetura em 2003. É difícil imaginar a cidade australiana sem seu cartão-postal, mas a ópera não teria sido erguida se os cálculos iniciais estivessem corretos. Quando o projeto de Utzon foi selecionado, em 1957, estimava-se um prazo de construção de cinco anos e um custo total de US$ 7 milhões (a obra durou 14 anos e consumiu mais de US$ 100 milhões). De acordo com Ove Arup, um dos engenheiros do projeto, “se a magnitude da empreitada tivesse sido determinada com precisão, a ópera não existiria. E o desconhecimento foi uma das circunstâncias peculiares que tornaram o milagre possível”.


É importante saber convencer

Se a estratégia é de fato criação (apenas uma possibilidade sobre o futuro entre várias), sempre será contestável. Os líderes terão de convencer os demais quanto à sabedoria e à superioridade da opção escolhida. Precisarão torná-la sedutora e, na hora de “vendê-la”, dar aos colaboradores um tratamento de “amante”, em vez do de “prostituta”. Não é fácil convencer as pessoas a partilhar uma imagem do futuro. Em geral, as estratégias pedem o comprometimento com algo novo e diferente, com o abandono da segurança daquilo que já funcionou. Não se trata de tarefa fácil, nem para um líder talentoso. Como ocorre na formação de um novo relacionamento, esse convencimento funciona melhor se movido por um convite do que por uma ordem. Os designers sabem disso. Arquitetos famosos, por exemplo, têm consciência de que precisam convencer os clientes a pagar por seu trabalho – e para isso devem ajudá-los a visualizar o resultado final. Quanto mais criativo for o profissional, maior a habilidade de apresentar a imagem para o cliente e para um eventual público “cético”. Quando Frank Gehry começou a esboçar o futuro Guggenheim Museum de Bilbao, tinha idéia da reação do público basco diante de sua ousada criação. Gehry explica: “Reunimos diversos fatores, como o desejo dos bascos de usar sua cultura e aproximar a cidade do rio, além do ar industrial”. O crítico de arquitetura Nicolai Ouroussoff descreveu o resultado no Los angeles Times: “Gehry conseguiu o que parecia impossível para a maioria dos proponentes: a invenção de formas arquitetônicas radicalmente novas, que tocassem quem passasse na rua. Bilbao tornou-se centro de peregrinação para aqueles que, até agora, se interessam pouco por arquitetura. Operários visitam o local com seus filhos nos fins de semana e a elite cultural desvia sua rota habitual para poder dizer aos amigos que conheceu o museu”. O Guggenheim de Gehry cativa por conectar o passado dos bascos e apontar para um futuro novo. É assim que as estratégias conseguem convencer: mostrando um futuro sem abandonar o passado.


A simplicidade tem valor

Pense em um objeto que você adora. É possível que se trate de algo complexo o bastante para desempenhar bem sua função, mas sem complexidade excessiva. Em outras palavras, uma solução elegante –e não existe melhor exemplo de simplicidade e elegância do que o “pretinho básico”. O aspecto mais notável da peça (criada na década de 1920 por Coco Chanel) é a simplicidade. O “pretinho básico” não enfeita nem “encerra o assunto”, mas funciona como uma “tela” adaptável a cada necessidade: com um colar de pérolas e saltos altos, vira um traje elegante; com um lenço vistoso e sapatos baixos, garante um visual produzido. Com infinitas possibilidades, é um dos itens mais versáteis do guarda-roupa feminino. Mas a peça vai além da funcionalidade para chegar à elegância: tem o essencial e nada em excesso. E se o “pretinho básico” inspirasse uma estratégia? Chegaríamos a propostas compreensíveis a todos (e não apenas aos criadores), sem ser banais nem óbvias. Talvez tivessem como principal importância a capacidade de enfatizar os aspectos positivos e também apontar os negativos, sempre na esperança de um futuro melhor.


É preciso inspirar

Um dos fatos mais tristes sobre a condição do business design é a mediocridade: nem sequer tentamos envolver nossa platéia em um nível emocional, quanto mais inspirá-la. Mas a diferença entre as grandes criações e aquelas “apenas boas” é o modo como as primeiras nos convidam para algo maior. Vejamos o caso da Bay Bridge e da Golden Gate Bridge, ambas em São Francisco, Califórnia. A primeira permite chegar ao outro lado, assim como a segunda –mas esta também se destaca, simboliza e encanta. Assim como a Sydney Opera House, virou um cartão-postal da cidade. Quantas de nossas estratégias se parecem com a Golden Gate Bridge? Acredito que poucas, infelizmente.


É preciso dominar as habilidades essenciais

Todas as invenções vistas até agora são criativas, persuasivas, elegantes e inspiradoras, mas tiveram êxito porque também funcionam bem, o que decorre do uso adequado do aspecto técnico. O teto em forma de velas de barco da Sydney Opera House exigiu maestria dos engenheiros, e a parte externa do Guggenheim de Bilbao, recoberta de titânio, só foi possível com a ajuda de sofisticados projetos feitos em computador. Além disso, o “pretinho básico” fez sucesso porque Chanel inovou no uso de um tecido sintético, o jérsei. Quem observa a tela Primeira Comunhão, de 1895, encontra sinais de uma técnica extraordinária, como revelam as camadas de branco no vestido na menina. Quem é o autor? Pablo Picasso, que aos 14 anos já dominava as técnicas artísticas convencionais. Vejamos o caso de Guernica, pintada por ele em 1937 para registrar o ataque aéreo dos nazistas à cidade basca de mesmo nome. Há poucos aspectos convencionais nessa pintura, considerada uma das manifestações antiguerra mais famosas da arte moderna. Picasso, que nessa época já tinha fama de ser um dos artistas mais influentes do século 20, não se deteve na técnica convencional e usou seu talento para ampliar os limites da arte.


É preciso aprender a experimentar

Como alguém passa da condição de bom executor à de profissional brilhante? O que separa a competência técnica da verdadeira inovação? A coragem de experimentar. Certas experiências ocorrem na mente (como o processo no planejamento estratégico, no qual os estrategistas imaginam e projetam novos cenários) e algumas se transformam em protótipos físicos. Outras experiências ocorrem no mundo real, como é o caso da Ikea. Quando começou, o ousado fundador da empresa, Ingvar Kamprad, tinha apenas uma idéia geral de como seria a revolucionária abordagem de marca em relação à fabricação de móveis. Quase todos os elementos de seu hoje lendário modelo de negócio surgiram com o tempo, a partir da resposta experimental a problemas urgentes. A liberdade de ação dos clientes, por exemplo, tornou-se elemento central da estratégia da Ikea quase por acaso, quando consumidores frustrados invadiram o depósito diante da falta de funcionários para atendê-los. O gerente da loja percebeu as vantagens da iniciativa e sugeriu sua incorporação.


As discussões não precisam ser fechadas

A imagem de um gênio solitário trabalhando em sua oficina é um mito comum na arte, arquitetura e ciência, e também no mundo dos negócios. O design mostra o valor de incluir perspectivas múltiplas no processo de criação, transformando-o em uma troca. Quanto mais complexo o desafio do design, maiores os benefícios de contar com perspectivas e vozes múltiplas. Vejamos o complexo e político processo de planejamento urbano, sobretudo no movimento chamado “novo urbanismo”, que surgiu das experiências de empreendedores e arquitetos da inovadora área de Seaside, na Flórida. O que distingue o novo urbanismo de outros movimentos arquitetônicos é a ênfase na participação ampla, concretizada na forma de charrettes –discussões interativas de longa tradição no mundo da arte e da arquitetura. Derivadas do termo francês que designa “pequenos veículos”, as charrettes eram usadas no século 19, na primeira escola oficial de arquitetura, a École des Beaux-Arts de Paris. Conforme os alunos avançavam nos estudos, seus projetos eram instalados em pequenos carros, nos quais os autores saltavam a fim de dar os retoques finais. O processo adotado no novo urbanismo se baseia em quatro princípios: desde o início, envolver qualquer pessoa que possa construir, usar, vender, aprovar ou reprovar o projeto; atuar de maneira conjunta e multifuncional (reunindo arquitetos, planejadores, engenheiros, economistas, especialistas em mercado, cidadãos, autoridades); aproveitar e dar retorno rápido; e não esquecer os detalhes. Acredito que o sistema oferece uma alternativa importante ao tradicional processo de planejamento estratégico ao convidar o sistema todo para participar e ao incluir o conhecimento local na discussão.


É preciso falar de outra forma

Não basta encher uma sala de pessoas: para obter criações superiores, é preciso mudar a maneira como conversamos. A maioria de nós aprendeu a adotar uma posição (e a defendê- la), mas, em um grupo formado por integrantes diversos, o debate tende mais a resultar em impasses do que em descobertas, uma vez que estas derivam do questionamento (e não da discussão das soluções disponíveis) e da reavaliação do que se considera imutável. Um exemplo é a criação do Central Park, de Nova York. Em 1857, foi realizada a primeira concorrência para escolha do projeto do parque. De todas as propostas, apenas a de Frederick Law Olmsted e Calvert Vaux atendia a todos os critérios. E qual era a exigência mais ousada? Permitir a passagem de veículos sem prejudicar o ambiente do parque, solução que os outros proponentes não conseguiram apresentar. Olmsted e Vaux se diferenciaram ao imaginar a área como um espaço tridimensional e incluir a passagem de quatro vias por baixo do parque.


Pode ser útil trabalhar “de trás para frente”

A maioria dos executivos aprende a seguir uma metodologia direta de solução de problemas: definem a questão, identificam e avaliam as várias soluções e escolhem uma delas. Já os designers fazem o processo inverso, como alertou Stephen Covey ao propor primeiro a solução imaginada para depois trabalhar para sua realização. Thomas Jefferson dedicou a última década de sua vida à manutenção da University of Virginia, pois acreditava na clara relação entre democracia e formação: sem uma população educada, não haveria possibilidade de promover o regime que ele e outros haviam se esforçado para criar. A universidade de Jefferson deveria produzir pensadores com abertura de pensamento e se distinguir dos demais estabelecimentos em outros aspectos: seria uma comunidade movida em parceria pela instituição e pelos alunos, a fim de gerar o tipo de aprendizado essencial para a democracia, e com um conjunto de instalações menores em vez do típico edifício central. Essa “aldeia acadêmica” cercada de verde proporcionaria um ambiente de aprendizado no qual os alunos desfrutariam uma liberdade sem precedentes, tanto no que se referia à escolha do currículo como no modo de se comportar. O observador moderno pode achar que a genialidade de Jefferson está na beleza da arquitetura que ele criou, mas boa parte de sua inspiração foi extraída do arquiteto italiano Palladio, que viveu no século 16. O verdadeiro talento está no poder do espaço criado e na capacidade de reforçar os objetivos propostos com tanta intensidade.


Devemos começar a conversa levantando possibilidades

Acredita-se que as grandes criações ocorrem do encontro da dificuldade, do acaso e das possibilidades, elementos essenciais para a geração de resultados inovadores, elegantes e funcionais. Mas o ponto de partida tem grande importância. No mundo dos negócios, a tendência é começar as negociações falando das restrições: a limitação do orçamento, a dificuldade da implantação e as expectativas dos acionistas. Por isso, chega-se a resultados muito parecidos com o que já existe. Grandes criações partem da suposição de que não existe nada impossível. O exemplo final envolve uma de minhas cidades favoritas, Barcelona, e a história de sua imensa catedral inacabada, a Sagrada Família, criada por Antoni Gaudí. Em 1884, Gaudí tinha apenas 32 anos quando foi nomeado o principal arquiteto da igreja batizada de “catedral dos pobres”, pois seria erguida apenas com doações. Desde o início, o arquiteto imaginou a construção que desejava –uma “Bíblia de pedra”, com um interior ousado que lembrasse uma floresta e, na parte externa, torres altas que tocassem o céu. Gaudí decidiu não se limitar pelas restrições quanto aos recursos financeiros e ao prazo, e respondia que “seu cliente não tinha pressa” aos céticos que duvidavam da conclusão do projeto. Quando começou a faltar dinheiro para o andamento da obra, Gaudí retomou o projeto e fez maquetes incrivelmente detalhadas, usadas na tarefa que assumiu de buscar contribuições. Gaudí não tinha como ignorar as concretas limitações impostas pelos materiais e técnicas disponíveis na época. Como a natureza havia servido de importante fonte de inspiração em todas suas criações, o arquiteto queria produzir espaços grandiosos e ricos em luz natural, e por isso se viu bastante contrariado diante da necessidade de utilizar paredes e vigas sólidas na parte interna da catedral. Sem os conhecimentos matemáticos e as técnicas de simulação existentes hoje, a física da construção também era um desafio, uma vez que Gaudí não queria lançar mão das enormes abóbadas e arcobotantes comuns nas catedrais medievais. Para solucionar todas essas limitações, Gaudí foi atrás de ferramentas e técnicas novas. Encontrou duas então pouco utilizadas em Barcelona na época, mas que seriam a base de seu trabalho. A primeira foi o “arco catenário”, um arco simples cuja forma podia ser simulada pela suspensão de correntes. Para calcular a necessidade de sustentação de peso das imensas torres, Gaudí erguia pequenos sacos de areia. A técnica criou uma representação perfeita (mas de cabeça para baixo!) das formas e dimensões possíveis para as torres. Programas de computador hoje atestam a incrível precisão do método usado pelo arquiteto catalão. A segunda inovação envolvia um material novo: o cimento. Combinado com vigas de ferro, tijolos ou pilares de pedra, além de uma nova forma de construção do telhado, o cimento permitia que as paredes externas sustentassem boa parte do peso do teto, resultando no espaço livre interno que Gaudí tanto desejava. Antoni Gaudí morreu aos 74 anos, atropelado por um bonde quando, por ironia, se dirigia à catedral. Dez anos depois, a guerra civil espanhola atingiu a cidade, forçando a interrupção da obra. Durante os conflitos, o ateliê do artista, com seus arquivos e todos os projetos, foi destruído. Mas as maquetes sobreviveram e serviram de guia para a fase final da construção da igreja, prevista para os 20 anos seguintes.



© Rotman Magazine Jeanne Liedtka é professora da Darden School of Business, da University of Virginia, e diretora-executiva do Batten Institute, voltado para o desenvolvimento da liderança nas áreas de empreendedorismo e inovação corporativa. Foi executiva da United Technologies Corporation (UTC).

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